Faculdade

Notícias

Os neandertais foram pioneiros na exploração dos recursos marinhos

27-03-2020

A revista Science publicou um estudo na Gruta da Figueira Brava (Portinho da Arrábida) revelando que a pesca e a recoleção de marisco contribuíram de forma muito significativa para a economia de subsistência dos neandertais no Paleolítico Médio.

Paulo Legoinha, Investigador do Grupo de Bacias Sedimentares e Paleontologia da UI GEOBIOTEC - polo NOVA, é um dos 21 co-autores que realizaram este trabalho, dirigido por João Zilhão, investigador do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ).

A gruta foi usada de forma continuada como lugar de habitação ao largo dos vinte milénios compreendidos entre há 106 e 86 mil anos — ou seja, durante o último período interglaciar, quando o clima da Terra era parecido com o actual. Os vestígios arqueológicos deixados por essas comunidades do Homem de Neandertal — cinzas, carvões e outros provas de uma utilização intensiva do fogo, utensílios em quartzo e sílex, restos alimentares — são abundantes.

A presença de foraminíferos (organismos microscópicos marinhos) nos depósitos arqueológicos da Gruta da Figueira Brava relaciona-se com o intervalo entre o nível alto eustático (MIS 5e) durante o qual o oceano escavou o sistema de cavernas, há cerca de 120.000 anos, e a sua ulterior descida para um nível bem abaixo do actual (no início do MIS 5d), há cerca de 115.000. O clima de há 120.000 anos seria pelo menos 2ªC mais quente do que hoje, e o nível do mar estava cerca de 5m mais alto. A presença de escassos foraminíferos em certos locais da gruta pode também estar relacionada com esporádicas inundações da caverna pelo mar.

A ausência de foraminíferos em todas as amostras datadas do intervalo MIS 5c-MIS 5b (~96 a 86 mil anos), do depósito arqueológico, mostra ainda que a linha da costa nunca voltou a estar suficientemente perto da gruta da Figueira Brava para que foraminíferos pudessem ser de novo introduzidos na gruta através de processos geológicos (por exemplo, inundação marinha ou transporte eólico). Por outro lado, o fato de não se encontrarem estes microfósseis em níveis arqueológicos com sedimentos eólicos e abundantes restos carbonizados de pinheiro manso indica que não existia uma praia adjacente, mas sim uma faixa de dunas com pinhal, que separava a gruta do mar.   

As conclusões deste estudo multidisciplinar demonstram que a maioria dos neandertais terá vivido como os da Figueira Brava, que a familiaridade dos humanos com o mar e os seus recursos é muito mais antiga do que até agora se pensava, e que a imagem de neandertais como gentes do frio, especializados na caça de mamutes, rinocerontes, bisontes e renas, é uma distorção criada pela história da investigação arqueológica.

Leia o artigo completo aqui.

Fig. S22 (from Supplementary Materials, Science 367):
Zilhão, J., Angelucci, D. E., Araújo Igreja, M., Arnold, L. J., Badal, E., Callapez, P., Cardoso, J. L., d’Errico, F., Daura, J., Demuro, M., Deschamps, M., Dupont, C., Gabriel, S., Hoffmann, D. L., Legoinha, P., Matias, H., Monge Soares, A. M., Nabais, M., Portela, P., Queffelec, A., Rodrigues, F., Souto, P. (2020) - Last Interglacial Iberian Neandertals as fisher-hunter-gatherers. Science. Vol. 367 (issue 6485), March 27, 2020. p.1443.  http://dx.doi.org/10.1126/science.aaz7943

Overview of attention for article published in Science, March 2020